quinta-feira, 11 de junho de 2009

Benjamin Banana

Benjamin estava triste. Benjamin estava triste porque dessa vez não havia dúvida de que a velha árvore no quintal estava morrendo e teria de ser cortada: a velha laranjeira onde costumava talhar seu nome com o canivete que lhe dera seu falecido avô; de onde costumava ouvir a voz de seu bom e manso pai chamando para o almoço; velha laranjeira onde pela primeira vez beijou Melina, a filha da cozinheira, e tossiu as fumaças de seu primeiro cigarro.

Enquanto caminhava pelas ruas da pequena cidade, sentia uma tristeza profunda porque, mais cedo ou mais tarde, a vida à sombra da velha laranjeira em breve não passaria de uma tola e aguda nostalgia, um desamparo sem sentido ou consolo que o tornara cabisbaixo desde que acordou. “Mas eu preciso deixar de ser besta! Até porque já tenho 13 anos, e em um mês farei 14, e ficar chorando e andando com a cabeça encolhida nos ombros por causa de uma árvore velha é um pesar idiota e desnecessário”. Mas Benjamin sabia que não seguiria seu conselho, pois já percebia que as lágrimas começavam a dançar em cima de seus olhos.

Quando chegou na escola disse a si mesmo para não pensar mais na velha árvore, porque agora iria dançar. Era o ensaio da quadrilha para as festas juninas. Sim, sim, iria dançar como o planejado e enquanto rodasse não pensaria em nada. Iria se misturar ao mundo dos homens, esquecer por alguns minutos que não era como os outros e que todos olhavam com estranheza para a marca em sua testa. Com sorte a pequena e ruiva Lívia seria o seu par e ela o traria para perto de si e o colocaria no meio do mundo dos homens... Passou pelo porteiro (“Boa tarde, seu André”). Subiu correndo as escadas. Mas quando chegou ao salão o professor já havia separado as duplas para a dança – e agora ele teria que dançar com a grande e tola Helena, que sempre caia ao girar, e sempre que caia lançava seus olhos bobos e desconcertados para ele, e sempre que olhava para ele tentava sorrir, mas não sabia como.

A dança começou. Dançou sem graça e como uma máquina ao lado da grande e tola Helena; a pequena e ruiva Lívia girava nos braços de Artur, que usava chapéu, não tinha laranjeiras no quintal e sabia sorrir. Nesse momento Benjamin compreendeu que nada é mais desolador nesse mundo do que ver aquela que é amada com os olhos fixos em outra pessoa que não você. Girando nos braços de outro. Oh, quão terrivelmentemente amedontrador é ver os olhos e o sorriso de alguém presos em qualquer ponto distante de onde você está e saber que cada giro leva tudo isso para longe e você fica no mesmo lugar. A pequena e ruiva Lívia girava como a folha de outono que cai. Como o pássaro que se finge de morto. E como mil redemoinhos ensandecidos do campo. A barra de seu vestido rodopiava e a cada segundo possuia uma nova e exuberante cor. Seu corpo era como a pluma. Como uma frágil sacola plástica nos torvelinhos do vento do outono. Seu sorriso era como as páginas de um livro que acabamos de comprar.

Benjamin estava arrependido. Arrependeu-se de ter ido ao mundo dos homens, de ter se misturado ao mundo dos humanos normais onde simplesmente não se encaixava e todos podiam ver a marca em sua testa. Deveria ter ficado em casa, lendo algum livro embaixo da velha laranjeira, em despedida. Sim, pois as pessoas não diziam que eram todos esses livros que tinham feito dele essa coisa estranha e solitária, esse ser apático a parte do mundo? Não ouviu outro dia um amigo de seu bom e manso pai dizendo-lhe que ¨não faz bem a um menino dessa idade andar metido com essas coisas¨? Arrependeu-se porque já tinha 13 anos, e em um mês faria 14, e ainda não sabia tomar uma decisão acertada.

Benjamin bocejou. E aquele era o símbolo de sua desgraça, pois o sono é o símbolo e o sacríficio e o casulo das pessoas tristes e é lá que elas se guardam delicadamente da boa morte. Pediu lincença ao seu par. Disse ao professor que ia ao baheiro. Precisava fumar.

Saiu do colégio pela porta dos fundos. Encostou-se no velho muro onde riscavam seu nome ao lado do nome das garotas e faziam xixi todos os garotos da escola. Acendeu o cigarro e ficou mexendo na grama com os pés, olhando para as árvores. Estava arrependido de ter acreditado que fazer parte da dança fosse uma boa idéia. Estava arrependido de ter acreditado que poderia dançar. Estava consciente e resignado de que aquele não era seu mundo, mas que de longe poderia contemplá-lo e aquilo lhe bastava para ser feliz, pois seu lugar verdadeiro era com a vida melancólica das velhas árvores moribundas, das folhas de papel gastas e das meninas que giram a distância. Distantes, nunca perto.

Lembrou-se que dessa vez não havia dúvida de que a velha laranjeira no quintal estava morrendo e teria de ser cortada. Ouvia a música e sabia que lá dentro a pequena e ruiva Lívia estava girando, girando e girando, rodopiando para cada vez mais longe... E foi em meio a esses pensamentos e sensações que Benjamin finalmente compreendeu que, seja garota ou laranjeira, todas as coisas do mundo estão sempre morrendo ou girando e, de uma forma ou de outra, vão-se embora para nunca mais.

4 comentários:

Rafaela disse...

tudo que é bom se vai para nunca mais.

raulzzitto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
raulzzitto disse...

Muito, muito, muito bom. Bem escrito, com cada palavra bem escolhida. Para não dizer que ficou perfeito, não gostei da figura "uma frágil sacola plástica nos torvelinhos do vento do outono". Quero dizer, não gostei da sacola plástica... mas acho que é porque não gosto de sacolas plásticas. Sendo assim, o problema não está no texto, mas no leitor, rsrsr...

Grande abraço! Preciso deixar de ser o Raul Banana e voltar a escrever e rodopiar a Ruiva Lívia em meus braços.

Raul Desi-PVT/ADL

pdezoti disse...

Super legal! Gostei de tudo no texto, inclusive da sacolinha... Tá, eu não gostei da idéia de um menino de treze anos fumando escondido (ou em público), mas já que ele vai colher os frutos dessa errônea escolha...