quinta-feira, 8 de maio de 2008

Mídia Mínima: Como (bom) Baiano Que Sou

O senhor Natalino Dantas demonstrou com toda força de seus 69 anos ser um homem extremamente burro. Não pelas afirmações tão amplamente execradas na mídia nos últimos dias, mas justamente por ter renegado a cada uma delas. Concordando ou não com o que ele disse, parece evidente que ele cria verdadeiramente no que dizia. Um homem que nega aquilo em que acredita diante da pressão de outros e omite sua real consciência com medo da opinião e ataque de terceiros não pode ser outra coisa senão um pusilânime dos mais estúpidos.
Além disso, o professor esqueceu, ao afirmar que os baianos são burros, que a inteligência nunca foi epidemia em parte alguma do mundo. Seja na Bahia, São Paulo, Marrocos ou, mais especialmente, na UFBA.
Contudo, a sabedoria maior desse confronto foi a dos seus detratores que, do alto de seu bom senso politicamente correto, esqueceram as noções mais elementares de uma boa e correta leitura. Os ataques não foram feitos por ser ele o coordenador de um curso com péssimo desempenho, o que, aliás, foi rapidamente varrido para debaixo do pano, mas por birra às suas frases politicamente incorretas. As Palavras mais exaustivamente alardeadas na última semana, "O baiano toca berimbau porque só tem uma corda. Se tivesse mais, não conseguiria", contém duas figuras de linguagem que eu não vi ninguém perceber antes de sair bradando em nome dos ¨bons costumes¨ que ela era da maior arrogância e preconceito: a irônia e a hipérbole.
Qualquer pessoa sensata só a avaliaria pelo ponto de vista do que ela realmente é: uma tirada sarcástica, que, a propósito, eu achei hilária. E, caso essa pessoa tenha o mínimo de bom humor, só após ter rido às pampas poderia tecer qualquer comentário sobre ela. Mas os excelentes leitores, como o diretor do Olodum que comparou o pobre professor a Hitler (sem bigodinho, talvez), não conseguiram perceber nem o bom humor nem a própria estrutura da construção verbal. Só sacando as duas figuras de linguagem presentes na frase ela se torna inteiramente e realmente conhecida; não sabendo ler, tudo que se tem a fazer é vestir a carapuça e sair por aí reclamando, achando tudo ruim e infame.
No entanto, quando uma frase apresenta um tipo similar de construção, utilizando as mesmas figuras de linguagem, ninguém se importa de reclamar ou mesmo se coçar de impaciência ou de inconformismo diante da afirmação, desde que exalte e não lance nenhuma farpinha sequer na imagem dos retratados.
Um exemplo clássico é quando dizem com alegria que ¨o povo baiano é o mais festivo e receptivo do mundo¨. Há aí o mesmo exagero de se colocar um enorme grupo num mesmo e único balaio; o que está presente aqui, da mesma forma que na frase do professor, é a hipérbole – já a irônia mais clara fica por conta de chamar de receptivo um povo que obriga uma média de 20 turistas a prestarem queixa por assalto diariamente (a cidade de Salvador é apontada por algumas pesquisas como a 7ª mais violenta do país).
O perigo maior, além da total incapacidade de leitura dos nossos mais bem-pensantes reclamões, é ver jogado o parágrafo IV do artigo 5° da nossa constituição na lata de lixo, ou melhor, afogado nas mais profundas e obscuras águas da baía de todos os santos.
Agora, caso sinta qualquer mal-estar diante de tanta e tão alarmada sabedoria, não chame em hipótese alguma os alunos de medicina da UFBA para lhe socorrer.