sábado, 25 de agosto de 2007

Trilogia dos Tempos Históricos: O Despertar de Letícia ou Dos Perigos de Acordar Com a Língua no Teto

Certa noite, ao acordar de sonhos comuns, Letícia percebeu sua língua, por um prego velho, presa ao teto e talvez doesse um pouco. Tinha metade dos pés apoiada num banco frouxo de madeira. Mais do que dor, sentia um certo constrangimento por aquela situação.

Não conheci os fatos (claro que não falava, pensava, pois falar não parecia adequado naquele momento). Fui posterior aos eventos e ainda assim os comentava, zombava deles, tecia opiniões. Achava-me entendida no que não vivenciei. Podia, então, puxar a língua para sair desse embaraço, mas isto poderia causar algum transtorno, como manchas difíceis no seu vestido (se bem que, de imediato, isso não conseguia alcançar: caso conseguisse puxá-la, a língua presa ao teto teria tanta utilidade quanto solta pelo espaço).

Só pude ouvir um lado, uma versão dos episódios. Inspirada por eles, por estes comentários espalhafatosos, subvertidos, hiperbólicos, fúteis e ardilosos, estas falas pernósticas e parciais, cheios de rancor e melancolia, achei-me conhecedora de toda psicologia e toda História.

E foi assim, presa ao teto, que Letícia compreendeu a multiplicidade do mundo. Não dá para atingir o que, sem mim, já se passou, e não posso me achar sábia pelo que apenas ouvi (Ela se sentia muito inteligente pela descoberta; contudo, continuava com sua língua apreendida ao telhado).

E não caia sangue em parte alguma...

E foi pela manhã que acordou enfim em sua cama, e, embora para infelicidade de alguns, com a língua guardada dentro de sua própria boca.

2 comentários:

Anônimo disse...

eu não gostaria de compreender o mundo com minha língua presa no teto.quando li esse mini conto imaginei o teto de letícia como uma ábobada salmon e decorada.

Anônimo disse...

letícia merecia a lingua grudada no próprio céu da boca, sentir o gosto da lingua que fere.