“ela é bonita, não usa carmim”
Saint-Beuve
A garota do muro costumava passar boa parte da sua tarde sobre ele. Voltava da escola, almoçava, passava um tempo em casa arrumando o quarto ou mexendo em discos velhos da mãe e, depois, assim pela tardinha, lá ia ela para o seu muro. Adorava apreciar o sol desaparecendo em sua frente, sabendo que atrás as nuvens se arroxeavam até as primeiras estrelas começarem a aparecer. Devia ter uns 10 anos e, naquele ano, o hino da futilidade era alguma música da Britney Spears, mas ela gostava mesmo era da Madonna e da Cindy Lauper.
Naquela tarde, distraída por um disco do Cranberries, demorou um pouco mais para sair de casa. Chegando ao muro, o sol já coloria de tons laranjas vivos a parte bonita do céu no poente e um garotinho fazia xixi num cantinho da sua parede solitária, aquele próximo à árvore. Vendo-a, o garoto deu uma olhadela rápida - cínico! -, escondeu-se e fugiu. Quem ele pensa que é pra fazer xixi no meu muro? Como esse menino se atreve a molhar meu muro com seu pintinho? Ah, espera esse moleque passar por aqui de novo...
Os dias iam passando e o garoto sempre passava no finalzinho da tarde, ao voltar da escola, e ia olhando, cabisbaixo, a garota do outro lado da rua. Ela, sem se mover no seu muro, mirava sempre para frente.
Aconteceu que, uma certa tarde, o garoto parou na calçada em frente. Demorou um pouco, olhou os dois lados vazios, atravessou a rua, parou em frente a ela, de cabeça baixa. Ela abaixou a cabeça para o olhar, levantando-a logo em seguida. Ele olhava ora para os pés, ora para o alto, mexendo nas alças da mochila.
Baixou a cabeça, empinou a barriga para frente, segurando a mochila, e disse:
- Como é o seu nome?
- O quê?
- Qual seu nome?
- Isabela Carina.
- Hihi...
- Que foi?
- Nada... é que seu nome é estranho!
- Não é minha culpa, não fui eu que escolhi. E o seu? – ela abaixou a cabeça, fitando-o.
- Carlos Ludovico Neto. Gosto não: era o nome do meu avô.
Ela riu. E quando ria segurava bem firme a borda da parede e inclinava o corpo para trás. O menino continuou mexendo nas alças e brincando com os pés em pequenas voltinhas.
- Haha... Prefiro o meu, né?
Silêncio. Os olhos dos dois em coisas distantes.
- Você já beijou? – perguntou o menino.
- Por que você quer saber?
- Como foi?
- Um menino na escola. De brincadeira. Você é muito curioso.
- Eu também já. Hoje a professora foi se despedir de mim, e me deu um beijo bem aqui – e ele apontou um cantinho da bochecha bem próximo à boca.
Silêncio.
A menininha virou o rosto para trás, por um minuto pareceu que ela se esquecia dele ali. Depois, voltou-se e abaixou a cabeça para ele. Bailarinava os pés no ar; sorriu, brincando com o vestido rodado.
- Minha mãe sempre diz pra eu pensar numa cachoeira.
- A minha também diz isso.
Novo silêncio.
- Você tem irmão? – perguntou, inclinando a cabeça perto do ombro.
- Tenho. Um.
- Minha mãe disse que eu vou ganhar um irmãozinho.
- Meu irmão é muito chato e burro. Passa o dia todo escrevendo e-mails para a namorada cheios de exclamações triplas.
Ele não entendeu muito bem aquela informação e inclinou um pouco mais a cabeça.
- Você sabe brincar de morango invertido? – perguntou a menina.
- Não. Como é isso?
- Eu te ensino. Quer brincar? A gente pode ir no parquinho – e ela saltou do muro, e ajeitou o vestido. Vamos.
Foram andando, cada um em um canto da mesma calçada, distantes, às vezes lançando-se sorrisos tímidos de novos amigos.
Saint-Beuve
A garota do muro costumava passar boa parte da sua tarde sobre ele. Voltava da escola, almoçava, passava um tempo em casa arrumando o quarto ou mexendo em discos velhos da mãe e, depois, assim pela tardinha, lá ia ela para o seu muro. Adorava apreciar o sol desaparecendo em sua frente, sabendo que atrás as nuvens se arroxeavam até as primeiras estrelas começarem a aparecer. Devia ter uns 10 anos e, naquele ano, o hino da futilidade era alguma música da Britney Spears, mas ela gostava mesmo era da Madonna e da Cindy Lauper.
Naquela tarde, distraída por um disco do Cranberries, demorou um pouco mais para sair de casa. Chegando ao muro, o sol já coloria de tons laranjas vivos a parte bonita do céu no poente e um garotinho fazia xixi num cantinho da sua parede solitária, aquele próximo à árvore. Vendo-a, o garoto deu uma olhadela rápida - cínico! -, escondeu-se e fugiu. Quem ele pensa que é pra fazer xixi no meu muro? Como esse menino se atreve a molhar meu muro com seu pintinho? Ah, espera esse moleque passar por aqui de novo...
Os dias iam passando e o garoto sempre passava no finalzinho da tarde, ao voltar da escola, e ia olhando, cabisbaixo, a garota do outro lado da rua. Ela, sem se mover no seu muro, mirava sempre para frente.
Aconteceu que, uma certa tarde, o garoto parou na calçada em frente. Demorou um pouco, olhou os dois lados vazios, atravessou a rua, parou em frente a ela, de cabeça baixa. Ela abaixou a cabeça para o olhar, levantando-a logo em seguida. Ele olhava ora para os pés, ora para o alto, mexendo nas alças da mochila.
Baixou a cabeça, empinou a barriga para frente, segurando a mochila, e disse:
- Como é o seu nome?
- O quê?
- Qual seu nome?
- Isabela Carina.
- Hihi...
- Que foi?
- Nada... é que seu nome é estranho!
- Não é minha culpa, não fui eu que escolhi. E o seu? – ela abaixou a cabeça, fitando-o.
- Carlos Ludovico Neto. Gosto não: era o nome do meu avô.
Ela riu. E quando ria segurava bem firme a borda da parede e inclinava o corpo para trás. O menino continuou mexendo nas alças e brincando com os pés em pequenas voltinhas.
- Haha... Prefiro o meu, né?
Silêncio. Os olhos dos dois em coisas distantes.
- Você já beijou? – perguntou o menino.
- Por que você quer saber?
- Como foi?
- Um menino na escola. De brincadeira. Você é muito curioso.
- Eu também já. Hoje a professora foi se despedir de mim, e me deu um beijo bem aqui – e ele apontou um cantinho da bochecha bem próximo à boca.
Silêncio.
A menininha virou o rosto para trás, por um minuto pareceu que ela se esquecia dele ali. Depois, voltou-se e abaixou a cabeça para ele. Bailarinava os pés no ar; sorriu, brincando com o vestido rodado.
- Minha mãe sempre diz pra eu pensar numa cachoeira.
- A minha também diz isso.
Novo silêncio.
- Você tem irmão? – perguntou, inclinando a cabeça perto do ombro.
- Tenho. Um.
- Minha mãe disse que eu vou ganhar um irmãozinho.
- Meu irmão é muito chato e burro. Passa o dia todo escrevendo e-mails para a namorada cheios de exclamações triplas.
Ele não entendeu muito bem aquela informação e inclinou um pouco mais a cabeça.
- Você sabe brincar de morango invertido? – perguntou a menina.
- Não. Como é isso?
- Eu te ensino. Quer brincar? A gente pode ir no parquinho – e ela saltou do muro, e ajeitou o vestido. Vamos.
Foram andando, cada um em um canto da mesma calçada, distantes, às vezes lançando-se sorrisos tímidos de novos amigos.
3 comentários:
eu nunca fiz amizades em muros.aliás, tenho sido péssima nisso.eu vivo num clastro.
rafa, se tu fizer amizade no muro de tua casa, tu morre.
isabela carina, esse nome não é estranho :)
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