segunda-feira, 24 de setembro de 2007

O Muro

“ela é bonita, não usa carmim”
Saint-Beuve


A garota do muro costumava passar boa parte da sua tarde sobre ele. Voltava da escola, almoçava, passava um tempo em casa arrumando o quarto ou mexendo em discos velhos da mãe e, depois, assim pela tardinha, lá ia ela para o seu muro. Adorava apreciar o sol desaparecendo em sua frente, sabendo que atrás as nuvens se arroxeavam até as primeiras estrelas começarem a aparecer. Devia ter uns 10 anos e, naquele ano, o hino da futilidade era alguma música da Britney Spears, mas ela gostava mesmo era da Madonna e da Cindy Lauper.
Naquela tarde, distraída por um disco do Cranberries, demorou um pouco mais para sair de casa. Chegando ao muro, o sol já coloria de tons laranjas vivos a parte bonita do céu no poente e um garotinho fazia xixi num cantinho da sua parede solitária, aquele próximo à árvore. Vendo-a, o garoto deu uma olhadela rápida - cínico! -, escondeu-se e fugiu. Quem ele pensa que é pra fazer xixi no meu muro? Como esse menino se atreve a molhar meu muro com seu pintinho? Ah, espera esse moleque passar por aqui de novo...
Os dias iam passando e o garoto sempre passava no finalzinho da tarde, ao voltar da escola, e ia olhando, cabisbaixo, a garota do outro lado da rua. Ela, sem se mover no seu muro, mirava sempre para frente.
Aconteceu que, uma certa tarde, o garoto parou na calçada em frente. Demorou um pouco, olhou os dois lados vazios, atravessou a rua, parou em frente a ela, de cabeça baixa. Ela abaixou a cabeça para o olhar, levantando-a logo em seguida. Ele olhava ora para os pés, ora para o alto, mexendo nas alças da mochila.
Baixou a cabeça, empinou a barriga para frente, segurando a mochila, e disse:
- Como é o seu nome?
- O quê?
- Qual seu nome?
- Isabela Carina.
- Hihi...
- Que foi?
- Nada... é que seu nome é estranho!
- Não é minha culpa, não fui eu que escolhi. E o seu? – ela abaixou a cabeça, fitando-o.
- Carlos Ludovico Neto. Gosto não: era o nome do meu avô.
Ela riu. E quando ria segurava bem firme a borda da parede e inclinava o corpo para trás. O menino continuou mexendo nas alças e brincando com os pés em pequenas voltinhas.
- Haha... Prefiro o meu, né?
Silêncio. Os olhos dos dois em coisas distantes.
- Você já beijou? – perguntou o menino.
- Por que você quer saber?
- Como foi?
- Um menino na escola. De brincadeira. Você é muito curioso.
- Eu também já. Hoje a professora foi se despedir de mim, e me deu um beijo bem aqui – e ele apontou um cantinho da bochecha bem próximo à boca.
Silêncio.
A menininha virou o rosto para trás, por um minuto pareceu que ela se esquecia dele ali. Depois, voltou-se e abaixou a cabeça para ele. Bailarinava os pés no ar; sorriu, brincando com o vestido rodado.
- Minha mãe sempre diz pra eu pensar numa cachoeira.
- A minha também diz isso.
Novo silêncio.
- Você tem irmão? – perguntou, inclinando a cabeça perto do ombro.
- Tenho. Um.
- Minha mãe disse que eu vou ganhar um irmãozinho.
- Meu irmão é muito chato e burro. Passa o dia todo escrevendo e-mails para a namorada cheios de exclamações triplas.
Ele não entendeu muito bem aquela informação e inclinou um pouco mais a cabeça.
- Você sabe brincar de morango invertido? – perguntou a menina.
- Não. Como é isso?
- Eu te ensino. Quer brincar? A gente pode ir no parquinho – e ela saltou do muro, e ajeitou o vestido. Vamos.
Foram andando, cada um em um canto da mesma calçada, distantes, às vezes lançando-se sorrisos tímidos de novos amigos.

3 comentários:

Rafaela disse...

eu nunca fiz amizades em muros.aliás, tenho sido péssima nisso.eu vivo num clastro.

Anônimo disse...

rafa, se tu fizer amizade no muro de tua casa, tu morre.

Anônimo disse...

isabela carina, esse nome não é estranho :)